eu me sinto exausta de correr com o coração à frente dos próprios passos.
me sinto esquecida à margem deste poema, e da vida.
carrego por dentro dos olhos o céu inteiro,
e é sempre rente à promessa de uma palavra de amor que encontro algum consolo,
mas dessas coisas apenas os meus olhos falam.
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Um dia. Acreditar. Abandonar o vazio.
A luz a trespassar-me de uma vez por todas.
Não aguentar esta ternura desamparada.
A sombra a rondar uma pureza forçada.
Recorrer à máscara.
Ser amarga por instantes. Gritar. Não chorar.
Deixar cair o sorriso aos pés.
Manchar-me de desejo.
Não adivinhar o melhor nos outros. Desiludir-me.
Desiludir-me mais. Deixar de acreditar.
Sentir o peso das palavras fechadas. Ouvir-me.
Esquecer fronteiras.
Buscar a liberdade.
Não suportar o brilho.
Procurar os cantos escuros da alma. Mudar.
Omitir a transparência.Ser igual.
Vestir-me de várias cores – atirar o preto para longe.
A indiferença a falar por mim: já não sou sensível.
Saber dizer adeus – até logo – de costas voltadas.
Ignorar sinais. Pairar nas conversas.
Aquecer o coração entre duas pedras.
Desaprender a melancolia. Estranhar a poesia.
Não traduzir em acordes tristes o que não existe. Facilitar.
Não viver na memória. Não ler nas entrelinhas.
Renunciar a este suspiro que alivia o peito.
Chorar lágrimas de impossibilidade. Despedaçar.
Trocar a sinceridade por uma armadura de ferro.
Deixar de escrever.Ser impiedosa.
O carinho a morar noutro corpo que não este.
Pedir. Não sentir. Abrir mão. Esquecer.
Não respirar momentos bonitos. Conseguir. Ser salva.
Morrer num poema à beira-rio.
Nascer diferente.Mais fria. Distante. Alheada de mim.
Afogar-me no preto e branco daquilo que é frívolo.
Encontrar caminhos. Um dia. Não acreditar.
Abandonar-me a mim própria.
Desprezar abraços.Remeter-me ao silêncio.
Conviver de perto com os muros altos.
Meter medo ao medo.
Envolver-me. Não fugir.
Transformar-me. Acordar noutra pele.
Ser o calor nos olhos de alguém. Fingir.
Não viver acorrentada num filme triste. Um dia. Talvez.
Dizem que ninguém gosta de lugares magoados.
Dizem. E eu calo-me.