Uma janela para se abrir e contemplar a luz.
Uma janela para escutar os sons do outro lado de lá e quebrar os silêncios de cá.
Uma janela parecida com o anel dos seus olhos onde aprisionei todos os meus desejos.
Uma janela aberta pra sentir a terra na finitude do meu coração abrindo em pedaços.
Uma janela para afugentar a solidão noturna desta casa.
Uma janela de onde é possível convocar o sol. e erradiar as cores.
Uma janela seria suficiente. porque...
...Eu venho da terra, de debaixo das sombras das árvores velhas,
de um livro de desenhos e imagens, de um jardim abandonado,
das estações secas, das experiências incapazes, na amizade e na vida.
das ruas sujas desta cidade insolente e vazia a me cansar a visão.
Eu venho do meio das raízes das plantas, porque tudo que eu sei. aprendi num pequeno quintal, em que cresci sozinha e vasculhei cantos e brechas de muros velhos e no limo vi muita vida crescer, e tudo estava lá, um pedaço de terra com ervas daninhas, pequenos animais, uma pequena horta que minha mãe cultivava, e era meu mundo sagrado, cresci com insetos, plantas e animais, este era o meu brinquedo. o meu cérebro está ainda inundado pela lembrança de uma borboleta crucificada por alfinetes num caderno de escola. que um adulto ensinou fazer.
a minha confiança estava presa pelo frágil fio da justiça humana e eu acreditava no coração das pessoas, que eu sempre seria amparada por olhares confortantes e palavras macias, que nesta cidade brotaria aos montes amigos e amigos bons de sorrisos livres e a vida seria uma eterna brincadeira de rua. Mas o que foi feito do meu coração? cresceu de olhos vendados, nesta brincadeira estúpida de que a vida da gente de repente se torna nada, sem sentido, que os olhos ficam pregados no tique-taque de um relógio, eu descobri que tenho de me garantir, de me salvar desta dor, de me curar destes medos, destas fraquezas, por mim mesma, ou que eu seja uma eterna imagem falsa aos olhos de todos, pra me tornar ao menos suportável, pra ser aceita, pra correr o risco de ser amada, pelo que eu não tenho, pelo o que eu não consigo ter,pelo o que eu não sou. cresço ainda de esperanças. que eu aprenda a viver a minha vida, sem esperar que alguém um dia a faça parecer um pouco menos pesada. ainda não aprendi ser eu.
Uma janela seria suficiente, uma janela em mim, esta que não sei abrir, que não sei se tenho.
uma janela para o momento desta consciência, da realidade dura na minha cara,
pergunto ao espelho, onde está a minha redenção? a minha paz? as minhas conquistas?
ninguém escreve sobre o massacre das flores, ninguém ganha prêmio por ingenuidade, por se morrer sangrando um pouco a cada dia. por se sofrer de existencialismo. Os sonhos precipitam-se sempre e morrem. como disse, não sei viver ainda, sou alienada.
Cheiro o trevo de quatro folhas que cresceu sobre o túmulo dos meus significados arcaicos. e debruço sobre meu eu pra chorar de mim. pra me confortar, pra provar o sla das minhas lágrimas e sentir a minha fragilidade na boca.
Não se pode ter expectativa e inocência. é preciso sorrir mesmo quando se sangra.
Sinto que o tempo passou ..
sinto que este momento é a minha parte mais vazia, as páginas chatas desta história.
sinto que a vida é apenas esta distância entre as pessoas e minhas queixas.
Que mais poderia querer de mim? ofereço meu corpo quente e vivo
não tenho a sensação de existir.
eu estou bem abaixo da janela, vivo no escuro, mas
eu tenho uma relação com o Sol.
Silvia
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Aos olhos do mundo o perigo está em arriscar,
pela simples razão de se poder perder.
Evitar os riscos, eis a sabedoria.
Contudo, a não arriscar, que espantosa facilidade de perder aquilo que,
arriscando, só dificilmente se perderia,
por muito que se perdesse,
mas de toda a maneira nunca assim,
tão facilmente, como se nada fora: a perder o quê?
a si próprio.
Porque se arrisco e me engano,
seja! a vida castiga-me para me socorrer.
Mas se nada arriscar, quem me ajudará?
tanto mais que nada arriscando no sentido mais lato
ganho ainda por cima todos os bens desse mundo
- e perco o meu eu.
O desespero Humano - Kierkegaard
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