
Talvez eu me ache delicada demais apenas porque não cometi os meus crimes. Só porque contive os meus crimes, eu me acho de amor inocente, talvez eu não possa olhar esta minha alma que é apenas contida. Talvez eu tenha que chamar de "mundo" esse meu modo de ser um pouco de tudo. Como posso amar a grandeza do mundo se não posso amar o tamanho de minha natureza. Enquanto eu imaginar que Deus é bom só porque eu sou ruim, não estarei amando a nada: será apenas o meu modo de me acusar. Eu, que sem nem ao menos ter me percorrido toda, já escolhi amar o meu contrário, eu que jamais me habituei a mim, estava querendo que o mundo não me escandalizasse, porque eu, que de mim só consegui foi submeter a mim mesma, eu estava querendo me compensar de mim mesma com uma terra menos violenta que eu. Porque enquanto eu amar a um Deus so porque não me quero, serei um dado marcado, e o jogo da minha vida não se fará. enquanto eu inventar Deus, ele não existe.
Clarice Lispector
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